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Como Água

Dizem que o nosso corpo contem em si oitenta por cento de água, e esse facto, por si só, devia ser suficiente para que nos sentissemos tão próximos dessa substância como se se fossemos nos próprios também parte dela. Se muito do que temos dentro de nós está, de alguma forma, relacionado com o liquido mais precioso que existe na Terra, a nossa essência enquanto seres Humanos talvez não esteja, afinal, assim tão distante da própria essência do H2O, ou está?...
Das fontes mais escondidas sai a água mais cristalina,brota por entre sulcos até ver a luz do dia e chega assim a um mundo novo por descobrir.Existe algo de muito Humano no caminho traçado pela água até ela nascer da sua fonte, e quando nasce, cristalina, é como se fosse uma criança acabada de de sair do ventre da mãe, tão ingénua qua a maldade que existe no mundo parece passar por ela como se fosse transparente, transparente...tal como a água.Após nascer para o mundo a água passa devagar pelos primeiros obstáculos,pequenas dificuldades que se assemelham a desafios gigantes tal não é ainda a falta de força para seguir em frente.São, no fundo, pequenas pedras que se amontoam perante o seu caminho,pedras essas que não podem ser ultrapassadas com força mas sim com gentileza,contornadas com pequenos passos,um após o outro,devagar,até se tornarem em passos mais rápidos,firmes e decididos,passos sem um rumo definido,sem direcção,apenas passos,como os de uma criança.Á medida que ganha força e cresce vai-se tornando mais veloz, mais robusta, e de repente outros caminhos aparecem paralelos ao seu,caminhos que se juntam formando um só em direcção ao mesmo horizonte, e ao juntarem-se esses caminhos, ao concretizarem essa união,surge uma nova força, e forma-se uma corrente, ligada por muitos cursos de água.Uma corrente que nos liga subentende-se por Amizade e os cursos de água que a formam só podem ser os nossos amigos.Sustentada pela força da Amizade esta criança avança em direcção a um tumultuoso Rio onde espreitam inumeros desafios e surpresas,correntes violentas que formam remoinhos de sentimentos incertos, pedras que surgem fortes como valores inabalaveis prontos a esmagarem qualquer ideal que a eles se oponha, zonas onde tudo é tão rápido que se torna dificil manter a cabeça á tona,respirar e recuperar o fôlego,para mergulhar depois bem fundo nas incertezas de uma adolescência cheia de mudanças e transformações,como um Rio enraivecido. Quando tudo parece calmo, depois da atribulada viagem através dos rápidos da mudança, já não é criança quem se olha no reflexo da superficie cristalina da água,a face mudou,a adolescência deixou marcas, mas não é também adolescente aquele que se olha a si mesmo,será que?...é pois, com certeza, um Homem que ali se apresenta, admirando-se e conhecendo-se a si próprio pela primeira vez, apercebendo-se de quem é, ao mesmo tempo que aproveita a paz de se sentir finalmente definido como alguém,mas essa paz...não dura muito.Homem ou Rio, Água ou ser Humano, ambos correm para algum lado,ambos tem uma direcção, um ciclo a percorrer, e a determinada altura surge um salto que tem que ser dado,uma queda de vai definir,á Luz do Sol ou da Sociedade,quantas são as cores que compôem o corpo de um ser Humano, ointenta por cento feito de Água.Nessa queda,muito se perde,muito se ganha,por ser abrupta, abre os olhos dos Homens em relação ao mundo em que vivem,na Água,torna-a suja e cheia de sedimentos,em ambos os casos se perdem a transparência e a cristalinidade, no fundo, perde-se a inocência. Quando termina, a queda deixa marcas que não se podem apagar, alterações inalteraveis, por vezes algumas cicatrizes, apesar disso é hora de seguir viagem pois ainda há muito por descobrir nesta nova etapa, e talvez, quem sabe, se consiga lavar alguma da sujidade que se carrega por se ter caído tão violentamente.No longo caminho que se apresenta, inumeras são as situações onde a água se mistura com tanta terra que acaba por se tornar lama e muitas vezes seca, antes que se cumpri-se um ultimo objectivo, e mais uma vez, não é assim tão diferente a perspectiva dos Homens,que tantas vezes se sujam e se cobrem de lama em nome de crenças vazias.As Águas e os Homens que cumprem a jornada,cientes do seu lugar neste mundo, encontram no final um Oceano delineado por um vasto Horizonte de sabedoria acumulada durante todo o percurso percorrido até então, e é nesse ponto,nesse momento em que o Horizonte cobre tudo á sua volta que o Homem e a Água se tornam um só, não existe mais nada ao seu redor e a sua comunhão permite-lhes contemplar uma luz que toca o Mar,parece afundar-se nele, parece submergir naquela imensidão azul e fria e no entanto emana calor, um calor tal que faz com que a Água se evapore,deixa o corpo do Homem e o ciclo chega ao fim...até ficar em estado liquido de novo,e recomeçar.

Bruno Miguel Santos

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